segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

VELAS & VENTOS

“Como pode um veleiro navegar contra o vento?” sempre me perguntam pessoas que nunca velejaram. O que move um veleiro, todos sabem, é a força do vento. O vento é o combustivel, as velas são o motor. A regulagem dos dois é uma arte que só se conquista na prática. Eu mesmo ainda estou aprendendo. Tenho vários amigos que são bons nisso. Em Curitiba, por exemplo, moram muitos caras bons de vela. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul a tradição náutica é forte. Quem aprende a velejar nos mares do sul está pronto para encarar qualquer tempo com sabedoria, pois aqui as frentes frias são duras.

Mas e o vento contra? Bem, um veleiro não pode ir diretamente contra o vento, mas no máximo em diagonal a ele, algo como em torno de 30 a 40 graus em relação à proa. Tudo depende da competencia do capitão. As velas tem que estar bem apertadas, caçadas na linguagem náutica. Elas trabalham como a asa de um avião, e a diferenca de pressão provocada pelo vento na superficie curva da vela, é o que faz o barco andar. Um veleiro na verdade é puxado, e não empurado pelo vento.

Bem, se a lição numero um é saber de onde vem o vento, a próxima é saber onde pretendemos chegar. Muitas vezes, nosso objetivo está a barlavento, ou seja exatamente de onde vem o vento. Regulamos as velas para encarar um contra-vento e, na base do zigue-zague, conseguimos chegar. O barco navega inclinado, adernado na lingua do mar. Algumas ondas podem embarcar pela proa e a adrenalina é alta. Ao contrario, se nosso destino está a nosso sotavento, a favor, a coisa muda de figura. A vela de proa é o balão, estufado, colorido e folgadão à favor das ondas. A sensação a bordo é de relax e contemplação. Hora do drink, dos aperitivos e de um blues na caixa.

Um veleiro moderno é resultado da evolução de séculos de experiência náutica. Desde que o primeiro homem descobriu que podia boiar sobre o tronco de uma árvore e com ajuda de seu manto – feito da pele de algum animal - atravessar um rio, ele nunca mais parou de investigar como fazer isso de forma mais eficaz. Assim, quando o seu destino era a barlavento, ele usava um remo ou mesmo a força do seu braço pra chegar lá. Se fosse a sotavento, bastava apenas hastear seu manto sobre um galho improvisado que o vento o levava. Esse proto mastro o ajudava a manter o pano aberto sem muito esforço.

Seculos depois, ao descobrir que uma vela apropriada poderia leva-lo a barlavento, a historia do mundo mudou pra melhor. Só pra ter uma ideia, se não fosse a capacidade dos marinheiros de navegar contra o vento, talvez a história da colonização do mundo fosse diferente. Quando os portugueses, no século quinze, desenvolveram a vela triangular - uma herança árabe - eles aprenderam que podiam navegar contra os elementos. Fantástica descoberta! Um segredo de estado cujo conhecimeto podia ser usado a favor da ambição imperialista lusitana. O equivalente hoje a descobrir um novo combustivel que nos permitisse chegar em Marte, por exemplo. E os portugueses chegaram ao Brasil. Sempre que entro na baia de Guanabara pelo mar, com o Corcovado à bomboro e a enseada de Botafogo pela proa, imagino o fascínio que a paisagem causou naqueles marujos. Sem falar nas índias em seu estado natural, mas isso já é um outro assunto.

As velas de hoje, embora fabricadas com a mais alta tecnologia, são parentes bem próximas de panos pré-historicos, a que de certa forma, devemos nossa herança. Não seria exagero afirmar que nossa descendência portuguesa vem de forma direta dos ventos, das velas e dos homens que souberam manejá-las.